29 de agosto de 2013

Amor vem de amor


Vem de longe, vem no escuro, brota que nem mato que dispensa cuidado e cresce com a mais remota chuva. Vem de dentro e fundo e com urgência. Amor vem de amor. Que não cabe, mas assim mesmo a gente guarda. A gente empurra, dobra, faz força, deixa amassado num canto, no peito, no escuro, dentro, ou larga pegando sereno. Amor vem de amor. Vem do pedaço mais feio, do mais sem palavra, do triste, vem de mãos estendidas. É tecido desfeito pelo tempo, amarelecido pelo tempo, pelo cheiro da gaveta fechada, pelo riscado do sol na madeira. Amor vem de amor. Vem de coisa que arrebata, vira chão, terra, cisco, resto, rastro, coisa para sempre varrida. É delicadeza viva forte violenta. Que faz doer, partir, deixar caído. Amor vem de amor. 
E dói bonito! Cheio de sabor.

[Guimarães Rosa]

27 de agosto de 2013

Max Lucado


Contrariamente ao que esperaríamos, pessoas boas não estão livres da violência. Assassinos não dão um passe aos que são de Deus. Estupradores não examinam vítimas de acordo com currículos espirituais. Os maus e sedentos de sangue não pulam os que vão para o céu. Não somos isolados. Mas também não somos intimidados. Jesus tem uma ou duas palavras sobre este mundo brutal: “Não tenham medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mateus 10:28)

— Max Lucado

amigos



Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

— Vinicius de Moraes

A dor do tempo


...Tudo isso vem de repente, quando menos se espera. E chega para todo mundo, menos para os reservados, os que preferem se guardar para os vermes da terra. Essa dor do tempo, de que nenhum poeta falou direito ainda.

Vinicius de Moraes

Não... Não é tristeza não.



Não é tristeza não, é mais pra desânimo, meio que uma vontade de deixar todos pra lá… Viver só no meu mundo, sem ligar para o que os outros pensam, ligar só para o que eu quero, fazer o que me der na mente.

Lucas Ângelo

Manuel Bandeira


Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes da vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente

Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta

   [Manuel Bandeira]

26 de agosto de 2013

chicago, 69


"você é amarga", ela disse. 
“e tem só 20 anos". 
...é, mãe,
mas confiar nas pessoas dá um trabalho danado,
se der errado é caco de alma pra todo lado.
eu não tenho tempo pra juntar tudo,
eu saio correndo.
eu vivo fugindo.
se a desconfiança me faz incompleta,
a metade de mim que respira basta.
eu nunca quis felicidade,
repudio toda forma de sobriedade.
mãe, a loucura me satisfaz.
ninguém precisa de paz.

chicago, 69