23 de janeiro de 2013

A vida





A vida é como comer chocolate. É boa, mas volta e meia ela derrete nas mãos e escorre por entre os dedos, melada, pegajosa. Com uma fidelidade canina, se nega a desgrudar de si mesma. Quando tarde percebo é chocolate demais, é vida demais. Estou embebido em vida, me afogando em vida. Muitas felicidades que não são minhas, amores que não me apetecem, sorrisos alheios que não me pertencem. Por um esforço me salvo: paro um momento, perco mais um pouco do brilho dos olhos, a escuridão cresce dentro de mim. Respiro fundo e continuo. Quando eu era criança, chocolate era um ritual. Uma tortuguita: primeiro a cabeça, depois as patas. Hoje mal olho a embalagem. Como, apenas. Só pra ver se consigo tapar o buraco de dentro do peito. Nesse intento, como em tantos outros, falho miseravelmente. Me nego a aprender que uma coisa não substitui a outra, uma pessoa não substitui a outra. No fim apenas mastigo ultrajado e sem prazer. Se a vida for sempre do mesmo sabor, enjoa. Cafés, álcoois, cigarros, prostitutas: lírios do meu jardim de pedras. Há muito tempo perdi a necessidade de entender tudo, de ter tudo sob minha vigília. Perder o controle. Sentir-se mortal é sentir-se realmente vivo. Vida comedida, bem comportada, purista, sifilista: escolho é a morte. Escolho mil vezes a morte.

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