13 de novembro de 2012

FAZIA TEMPO





Fazia tempo que não deixava a comida esfriar no prato pelo interesse na conversa.

Fazia tempo que não abria o zíper de um vestido com todo o cuidado para não machucar a pele.

Fazia tempo que não tinha tanta ansiedade de meu passado.

Fazia tempo que não via alguém amarrar meu cadarço.

Fazia tempo que não andava de ônibus dividindo o headphone.

Fazia tempo que não esperava passar a chuva.

Fazia tempo que não procurava fotografias de minha infância.

Fazia tempo que não reparava em casais mais velhos comendo em silêncio.

Fazia tempo que não sofria de compaixão dos bancos de praça.

Fazia tempo que não observava o musgo nos fios telefônicos, ouvia o barulho de lâmpadas falhando das cigarras.

Fazia tempo que não agradecia com desculpa e me desculpava com obrigado.

Fazia tempo que não me acordava louco para dormir um pouco mais.

Fazia tempo que o cheiro da pele não se parecia tanto com o cheiro dos travesseiros.

Fazia tempo que não me exibia aos meus amigos.

Fazia tempo que não me curvava aos cachorros de minha rua.

Fazia tempo que o cansaço não me atrapalhava.

Fazia tempo que não decorava os hábitos de outra pessoa a ponto de antecipá-la em pensamento.

Fazia tempo que não me importava em conferir a previsão do tempo e o horóscopo.

Fazia tempo que não me preocupava com o que havia na geladeira.

Fazia tempo que não ria sozinho, sem controlar a altura da voz.

Fazia tempo que não enganchava minhas roupas num brinco.

Fazia tempo que não tinha saudade do que nem iria acontecer.

Fazia tempo que não respondia com perguntas, como se estivesse estudando para o vestibular.

Fazia tempo que não temia o intervalo dos telefonemas.

Fazia tempo que não massageava os pés no colo – os pés femininos são mãos distraídas.

Fazia tempo que não escrevia bilhetes para despertar surpresas pela casa.

Fazia tempo que não curava a ressaca com sexo.

Fazia tempo que não estendia no varal a calcinha molhada no box do banheiro.

Fazia tempo que não dobrava a camiseta com suspiro, ou dobrava o suspiro com a camiseta.

Fazia tempo que não me demorava no espelho, encolhendo a barriga, ensaiando cumprimentos.

Fazia tempo que não mergulhava em silêncio para não desperdiçar nenhuma frase dita.

Fazia tempo que não beijava esquecendo aonde ia e quem poderia estar olhando.

Fazia tempo que não me apaixonava assim.
Fabrício Carpinejar
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 13/11/2012

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