18 de dezembro de 2010

A Voz de um Livro



As páginas eram amarelas. De um amarelo escuro, acastanhado, beijado pelo tempo.
As margens comidas lembravam-me as ondas de um mar bravo e fugidio. Mas não cheirava a maresia. Cheirava a rejeição, a esquecimento. Sentado numa das prateleiras da imensa biblioteca. Deixado ao abandono por mãos pouco tolerantes e egoístas. Ao toque era rugoso e arrepiava-me. Eriçava-me os pelos do pescoço. As páginas sorriam ao meu toque, quase orgástico. Dançavam uma dança delicada e sensual saboreando o ritmo das minhas mãos que as folheavam. Pousavam na mais bela pose, quando me demorava um pouco mais numa página.
Tantos como ele, naquele infinito mar de livros. Mas foi o seu afinado canto, a beleza da sua lombada que me atraiu. Era vermelho, como a caneta com que escrevo. De um vermelho sangue bordado de um prateado, estranhamente, ainda não baço.
Cantou para mim. Dançou. Sorriu. Amei. Um amor de livro.


"Quem não lê porque não gosta, em nada difere de quem não lê porque não sabe."

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